TEMAS TRANSVERSAIS
Imagino a cena. Alguém do
Conselho Nacional de Educação (ou foi do Ministério?) teve um lampejo de
lucidez e sugeriu que se estabelecesse um diálogo com um educador que tivesse
uma visão atual da escola. Chamaram o Rubem Alves. Ele não queria ir porque,
afinal de contas, regras, regulamentos e até diretrizes atrapalham mais ainda
as nossas escolas, empobrecem a vida e deixam nossos educadores mais infantis
ou mais revoltados. Ao final, uma grande amiga dele, a Juliana, também
conselheira ou adjunta de um departamento do MEC, conversou com ele e ele foi.
Como era natural neste grande
educador (pode ter sido outro, eu não vi) o papo versou sobre a vida e sobre a
desgraça que as escolas fazem com os alunos do ensino básico. Elas tiram deles
a vida, “passando” encontros consonantais, coletivos estranhos, raízes
quadradas, mínimos múltiplos comuns, divisão da célula, nomes de rios e de
“heróis” e, depois, “estudando” um simulacro de Física, Química, Biologia,
Matemática e Gramática. Houve, até, uma insinuação que isto tudo era culpa do
egrégio Conselho (ou do MEC, eu não vi): “com suas conversas bonitas e com o
apoio ao livro didático, eles desgraçam tudo e os professores, que foram à
faculdade para saber, podem apenas passar as lições. Com o mundo da arte, da
música, das culturas humanas, do saber incalculável de hoje, da alegria, do
debate, da dúvida e da pergunta..., meninos e meninas promissores chateiam-se
com coisas que os adultos não sabem, com supostas especializações que são para
outro momento da vida; crianças e adolescentes são, enfim, controlados pelo
século dezenove e seus fantasmas.
Mas a reunião rendeu. Uma
tímida conselheira ou um funcionário qualquer do MEC – nenhum dos dois tinha
doutorado, mas ambos liam as atuais propostas pedagógicas – pensou ser possível
fazer algo. Pensou que, realmente, todos seus pares não sabiam nada do que
tinham estudado. Lembravam-se dos logaritmos, mas não sabiam para que servem;
sabiam que tinha existido uma Guerra do Paraguai e alguns até diziam que
houvera uma batalha em Lomas Valentinas e um citou, sem saber direito o que era,
que “o Brasil espera que cada um cumpra seu dever”; et ita porro (digo isto
porque alguns tinham estudado Latim ou eram bacharéis em Direito).
Todos, enfim, concordaram:
alguma coisa tinha que ser feita! Mas, “mudar o conteúdo? Que ideia idiota!
Esse conteúdo já está sendo passado há uns 250 anos! Como as universidades
iriam construir o vestibular? O ENEM já está baixando a qualidade dos alunos
que vão à universidade. Até alguns pobres agora entram na faculdade!”
Aí veio a saída que é um
primor de arquitetura psicossocial; ninguém poderia criticar a proposta, já que
ela ressaltava o estudo daquilo que muita gente acredita deva ser o conteúdo da
escola básica; mandaram incluir “conteúdos transversais”. Tudo o que é
importante, como meio ambiente, ética, saúde, pluralidade cultural, sexualidade,
cidadania... não pode faltar na escola, mas não pode trazer problemas para os conteúdos
sem sentido que mantêm a escravidão. Aliás, não pode ser tudo, mas algumas
coisas importantes entrarão de través (transversal
é o que vem de través) no currículo.
É encantador ler os PCNs,
naquilo que se refere a estas coisas atravessadas: uma escola que fizesse
aquilo ajudaria a construir um mundo melhor. Mas é evidente que é impossível
fazer: é como você mandar um soldado tomar banho e escovar os dentes enquanto
ruge a batalha e ainda proibir o coitado de parar de atirar.
Senhor, abri nossos olhos!
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