terça-feira, 29 de julho de 2014

SEMPRE ÀS TERÇAS Hoje é terça, 29 de julho de 2014


TEMAS TRANSVERSAIS 

Imagino a cena. Alguém do Conselho Nacional de Educação (ou foi do Ministério?) teve um lampejo de lucidez e sugeriu que se estabelecesse um diálogo com um educador que tivesse uma visão atual da escola. Chamaram o Rubem Alves. Ele não queria ir porque, afinal de contas, regras, regulamentos e até diretrizes atrapalham mais ainda as nossas escolas, empobrecem a vida e deixam nossos educadores mais infantis ou mais revoltados. Ao final, uma grande amiga dele, a Juliana, também conselheira ou adjunta de um departamento do MEC, conversou com ele e ele foi.

Como era natural neste grande educador (pode ter sido outro, eu não vi) o papo versou sobre a vida e sobre a desgraça que as escolas fazem com os alunos do ensino básico. Elas tiram deles a vida, “passando” encontros consonantais, coletivos estranhos, raízes quadradas, mínimos múltiplos comuns, divisão da célula, nomes de rios e de “heróis” e, depois, “estudando” um simulacro de Física, Química, Biologia, Matemática e Gramática. Houve, até, uma insinuação que isto tudo era culpa do egrégio Conselho (ou do MEC, eu não vi): “com suas conversas bonitas e com o apoio ao livro didático, eles desgraçam tudo e os professores, que foram à faculdade para saber, podem apenas passar as lições. Com o mundo da arte, da música, das culturas humanas, do saber incalculável de hoje, da alegria, do debate, da dúvida e da pergunta..., meninos e meninas promissores chateiam-se com coisas que os adultos não sabem, com supostas especializações que são para outro momento da vida; crianças e adolescentes são, enfim, controlados pelo século dezenove e seus fantasmas.

Mas a reunião rendeu. Uma tímida conselheira ou um funcionário qualquer do MEC – nenhum dos dois tinha doutorado, mas ambos liam as atuais propostas pedagógicas – pensou ser possível fazer algo. Pensou que, realmente, todos seus pares não sabiam nada do que tinham estudado. Lembravam-se dos logaritmos, mas não sabiam para que servem; sabiam que tinha existido uma Guerra do Paraguai e alguns até diziam que houvera uma batalha em Lomas Valentinas e um citou, sem saber direito o que era, que “o Brasil espera que cada um cumpra seu dever”; et ita porro (digo isto porque alguns tinham estudado Latim ou eram bacharéis em Direito).

Todos, enfim, concordaram: alguma coisa tinha que ser feita! Mas, “mudar o conteúdo? Que ideia idiota! Esse conteúdo já está sendo passado há uns 250 anos! Como as universidades iriam construir o vestibular? O ENEM já está baixando a qualidade dos alunos que vão à universidade. Até alguns pobres agora entram na faculdade!”

Aí veio a saída que é um primor de arquitetura psicossocial; ninguém poderia criticar a proposta, já que ela ressaltava o estudo daquilo que muita gente acredita deva ser o conteúdo da escola básica; mandaram incluir “conteúdos transversais”. Tudo o que é importante, como meio ambiente, ética, saúde, pluralidade cultural, sexualidade, cidadania... não pode faltar na escola, mas não pode trazer problemas para os conteúdos sem sentido que mantêm a escravidão. Aliás, não pode ser tudo, mas algumas coisas importantes entrarão de través (transversal é o que vem de través) no currículo.

É encantador ler os PCNs, naquilo que se refere a estas coisas atravessadas: uma escola que fizesse aquilo ajudaria a construir um mundo melhor. Mas é evidente que é impossível fazer: é como você mandar um soldado tomar banho e escovar os dentes enquanto ruge a batalha e ainda proibir o coitado de parar de atirar.

Senhor, abri nossos olhos!

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